POR UMA REFORMA TRIBUTÁRIA A FAVOR DA SAÚDE E QUE COMBATA A FOME
Excelentíssimas e excelentíssimos senadoras e senadores,
Os números alarmantes da fome, que atinge cerca de 33 milhões de brasileiros, deixam evidente a enorme desigualdade econômica e social do Brasil [1]. Ao mesmo tempo, nosso país vive uma epidemia de obesidade e aumento anual da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), cuja alimentação inadequada é um dos fatores de risco. Diante da necessidade de melhorar os indicadores de saúde da população, faz-se necessário que a reforma tributária contribua para favorecer o consumo de alimentos saudáveis e desincentivar o consumo de produtos associados a doenças.
Para tanto, é imprescindível que a reforma tributária contemple a tributação eficiente de produtos que provocam externalidades negativas, ou seja, que causam danos à saúde da população e sobrecarregam o Sistema Único de Saúde (SUS). Além do tabaco e álcool, produtos já considerados para serem sobretaxados, é fundamental que os produtos ultraprocessados sejam alcançados (ou sejam alvo) pelo imposto seletivo.
Produtos ultraprocessados possuem perfis nutricionais desbalanceados, com excesso de calorias, sal, gordura e açúcar, alta palatabilidade causadora de dependência, e aditivos alimentares com implicações ainda desconhecidas para o organismo humano - e estão associados a doenças graves e mortes. Estudo recente mostrou que, só no Brasil, 57 mil mortes por ano são atribuíveis ao consumo de ultraprocessados [2]. O gasto do SUS com atenção a pessoas com doenças provocadas por bebidas ultraprocessadas açucaradas é de R$ 3 bilhões, por ano [3].
Quando falamos de nossas crianças, os dados também são alarmantes. 93% das crianças de 2 até 5 anos consomem ultraprocessados [4], 3 em cada 4 delas não consomem hortaliças diariamente e metade delas até 5 anos não consomem frutas. Crianças e adolescentes estão consumindo mais ultraprocessados do que adultos. No Brasil, 30% das calorias ingeridas entre crianças de 2 a 5 anos são oriundas de ultraprocessados[5].
Outras evidências demonstram que o consumo de ultraprocessados afeta, em nível mundial, os aumentos na prevalência e na incidência de obesidade e outras DCNTs relacionadas à alimentação como o diabetes, hipertensão, doenças cerebrovasculares, renais, e alguns tipos de câncer [6].
Estudo realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômicas (Fipe) mostrou que a tributação sobre bebidas ultraprocessadas adoçadas pode ter impactos positivos também na redução do consumo de açúcar e na economia. Um aumento de 20% na tributação sobre esses produtos poderia gerar a arrecadação de R$ 4,7 bilhões, crescimento econômico, com um acréscimo de R$ 2,4 bilhões ao PIB, e a criação de 69,6 mil empregos, inclusive nas regiões Norte e no Nordeste, estimulando o desenvolvimento de regiões mais carentes[7].
Mais de 80 países e regiões, como Inglaterra, França, Noruega, Finlândia, Portugal, México e Chile, já adotam políticas tributárias sobre bebidas e alimentos não saudáveis, incluindo os ultraprocessados, com o objetivo de promoção da saúde. [8]
No Brasil, diversos órgãos têm recomendado a adoção da tributação sobre alimentos ultraprocessados, como o Consea, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e o Conselho Nacional de Saúde. A medida também é considerada a mais custo-efetiva para o combate às DCNTs pela Organização Mundial da Saúde (OMS). [9-15]
Diante desse cenário, solicitamos aos membros do Governo Federal e senhores(as) parlamentares que a reforma tributária contemple:
- Imposto seletivo para alimentos e bebidas adoçadas ultraprocessadas;
- Imposto específico na tributação de bebidas adoçadas (além do ad valorem);
- Alíquotas reduzidas para alimentos saudáveis e regionais;
- Cesta Básica Nacional de Alimentos com alíquota zero de acordo com o Guia Alimentar para a População Brasileira;
- Retirada da alíquota reduzida dos agrotóxicos considerados mais tóxicos pela Anvisa e mais perigosos ao meio ambiente pelo Ibama, e inclusão no imposto seletivo
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[1] Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da COVID-19 no Brasil: II VIGISAN: relatório final. São Paulo, SP: Fundação Friedrich Ebert: Rede PENSSAN, 2022.
[2] Nilson EAF, Ferrari G, Louzada MLC, et al. Premature Deaths Attributable to the Consumption of Ultraprocessed Foods in Brazil. Am J Prev Med. 2023 Jan;64(1):129-136
[3] ACT Promoção da Saúde. O lado oculto das bebidas açucaradas no Brasil. Nov 2020, Rio de Janeiro, Brasil. Disponível em: https://actbr.org.br/post/o-lado-oculto-das-bebidas-acucaradas/18753. Acesso em 02/05/2023.
[4] Universidade Federal do Rio de Janeiro.Alimentação Infantil I: Prevalência de indicadores de alimentação de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019. - Documento eletrônico. - Rio de Janeiro, RJ: UFRJ, 2021. (135 p.). Coordenador geral, Gilberto Kac. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/index.php/relatorios/. Acesso em: 11/10/2024
[5] Universidade Federal do Rio de Janeiro. Alimentação Infantil II: Consumo alimentar de crianças menores de 5 anos: ENANI 2019.- Documento eletrônico. - Rio de Janeiro, RJ: UFRJ, 2024. (192 p.).Coordenador geral, Gilberto Kac. Disponível em: https://enani.nutricao.ufrj.br/relatorios/. Acesso em: 11/10/2024
[6] Pagliai G, Dinu M, Madarena MP, et al. Consumption of ultra-processed foods and health status: a systematic review and meta-analysis. British Journal of Nutrition.2021;125(3):308-318. Lane MM, Davis JA, Beattie S, et al. Ultraprocessed food and chronic noncommunicable diseases: A systematic review and meta-analysis of 43 observational studies. Obes Rev.2021 Mar;22(3):e13146 Askari M, Heshmati J, Shahinfar H, et al. Ultra-processed food and the risk of overweight and obesity: a systematic review and meta-analysis of observational studies.Int J Obes (Lond). 202 Oct;44(10):2080-2091.
[7] Lucinda CR, Haddad EA, coordenadores. Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE). ACT Promoção da Saúde. Impactos sistêmicos das mudanças no padrão de consumo de bebidas açucaradas, adoçadas ou não, devido aos diferentes cenários de tributação. São Paulo: FIPE/ACT Promoção da Saúde [Internet]; 2020. Disponível em: https://evidencias.tributosaudavel.org.br/ Acesso em 02/05/2023.
[8]Global Food Research Program at UNC-Chapel Hill. Taxes on unhealthy foods and beverages. Disponível em https://www.globalfoodresearchprogram.org/resource/taxes-on-unhealthy-foods-and-beverages/. Acesso em 11/10/2024.
[9]Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA). Recomendações do Consea para uma Política Fiscal e Tributária que respeite o Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável. Ofício nº 46/2023/CONSEA/SG/PR. Brasília: CONSEA; Jun 2023.
[10] Brasil. Ministério da Saúde. Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva acerca do sobrepeso e obesidade [acesso eletrônico]; 2016. Disponível em: http://www1.inca.gov.br/inca/Arquivos/comunicacao/posicionamento_inca_sobrepeso_obesidade_2017.pdf. Acesso em 30/06/2020.
[11] Conselho Nacional de Saúde (BR). Recomendação nº 21, de 9 de junho de 2017; Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde; 2017. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2017/Reco021.pdf. Acesso em 02/05/2023.
[12] Conselho Nacional de Saúde (BR). Recomendação nº 33, de 5 de julho de 2019; Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde; 2019. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2019/Reco033.pdf. Acesso em 02/05/2023.
[13] Conselho Nacional de Saúde (BR). Recomendação nº 47, de 24 de junho de 2020; Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde; 2020. Disponível em: https://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1236-recomendacao-n-047-de-24-de-junho-de-2020#:~:text=Recomenda%20%C3%A0%20Presid%C3%AAncia%20da%20Rep%C3%BAblica,refrigerantes%20e%20demais%20bebidas%20ado%C3%A7adas.&text=Considerando%20as%20atribui%C3%A7%C3%B5es%20conferidas%20ao,de%20setembro%20de%202008%2C%20Art. http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes-cns/1236-recomendacao-n-047-de-24-de-junho-de-2020. Acesso em 02/05/2023.
[14] Conselho Nacional de Saúde. Recomendação nº 004, de 14 de março de 2024. Recomenda a tributação do tabaco, álcool, produtos ultraprocessados e agrotóxicos no rol do imposto seletivo na Reforma Tributária, entre outras medidas correlatas. Brasília: Conselho Nacional de Saúde; 2024.
[15] World Health Organization (WHO). Tackling NCDs: ‘best buys’ and other recommended interventions for the prevention and control of noncommunicable diseases. 2017. Disponível em: https://www.who.int/ncds/management/WHO_Appendix_BestBuys.pdf. Acesso em 30/06/2020